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Palestra: “Diminuição da maioridade penal, abuso e dependência de drogas: a serviço do que e de quem?”

Aconteceu hoje, pela manhã, o prosseguimento do Ciclo de Palestra da ABRAMD/UDED/PROAD – 5ª Palestra, 2015, com o tema a “Diminuição da maioridade penal, abuso e dependência de drogas: a serviço do que e de quem?”, que teve como palestrantes, os doutores, Rubens Adorno da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, bacharel em Ciências Sociais /antropologia pela UNICAMP; Mestre e Doutor em Saúde Pública pela USP, Livre Docente e Professor Associado III da Faculdade de Saúde Pública da USP, membro do GEDS - Grupo de Estudos Drogas e Sociedade da USP, da ABESUP e da ABRAMD e Raul Carvalho Nin Ferreira, Defensor Público do Estado de São Paulo, atualmente ocupa o cargo de Coordenador Auxiliar do Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos. É formado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), com mediação da Dra. Maria de Lurdes Zeme, psicanalista/ABRAMD, membro e colaboradora da ABRAMD desde sua constituição, atuante nos grupos ABRAMD-Clínica e ABRAMD-educação, é psicóloga, psicanalista e terapeuta de famílias desde 1970. 

Raul Carvalho Nin Ferreira expôs que houve o Código Penal do Império, concebido e baseado na sociedade escravocrata. Depois, veio o Código Penal de 1940, da época da ditadura do Estado Novo.

Prosseguindo, Raul observou que após os anos 1990, houve uma curva ascendente de encarceramento. Disse que, conforme o sociólogo francês, radicado nos Estados Unidos, Loïc Wacquant, ocorreu o fenômeno das prisões da miséria, ou seja, a criminalização da pobreza, para quem as drogas é um motivo, um pretexto. Assim, passamos ao encarceramento em massa da população. No Brasil, estamos chegando aos 600 mil presos, é o 3º lugar, atrás dos Estados Unidos e da Rússia.

Segundo Raul, os crimes contra o patrimônio, como furto e roubo, são os que mais aprisionam, sendo o sistema prisional seletivo, o que ele entende ser positivo, mas é também racista, machista, etc. Se fosse completo (acho que ele quis dizer universal), segundo ele estaríamos numa sociedade que nem a descrita por George Orwell em sua obra 1984.

Crimes contra o sistema financeiro (no caso do HSBC ninguém foi preso) e o sistema tributário não levam ao encarceramento, assim como os donos do tráfico (empresários, senadores, políticos em geral, etc.).

Raul citou a observação do Juiz argentino, ministro da Corte Suprema, Eugênio Raul Zaffaroni, uma das maiores autoridades mundiais da atualidade em Direito Penal, no sentido de que no sistema judiciário, há uma pirâmide começando pela polícia militar que faz o policiamento ostensivo, a abordagem, depois a polícia civil faz a investigação, a promotoria acusa, a defensoria elabora a defesa, e na cúpula do sistema o juiz dá o seu veredicto, julga. Zaffaroni disse que na realidade, na prática essa pirâmide é invertida, pois a polícia militar acaba sendo na prática, concretamente a maior autoridade, ela prende e condena.

Essa observação de Zaffaroni, logicamente foi feita levando em consideração a realidade da Argentina, mas ela cai como uma luva para realidade brasileira, conforme deu a entender Raul.  Ele colocou que há um padrão de Boletim de Ocorrência que é sempre feito por policiais militares nas delegacias: que acionados pelo COPOM, fizeram abordagem, encontraram dinheiro, depois encontraram num buraco certa quantidade de drogas, é lavrado o flagrante, o juiz decreta a prisão preventiva, a pessoa responde ao processo preso, sendo que nestes casos a condenação é certa. Nesses casos, as pessoas sofrem todo tipo de violação de seus direitos, como, só para exemplificar, a presunção de inocência.

O crime de tráfico foi comparado ao crime hediondo, na Constituição Federal de 1988, segundo ele a única Constituição democrática. A Constituição usou a expressão “equiparado” ao crime hediondo. Ele viu nisso uma mudança de foco, pois anteriormente as nossas constituições tinham como foco os comunistas, a subversão, o terrorismo. Agora a escolha recaiu sobre o tráfico de drogas. Segundo Raul, o filósofo e jurista nazista alemão, Carl Schmitt, disse que a escolha do inimigo define a política. Referiu-se, ainda, à obra Direito Penal do Inimigo, de Günter Jakobs, jusfilósofo alemão, segundo o qual há duas classes de pessoas: o cidadão ao qual são garantidos os direitos civis; e os inimigos aos quais se aplica a regulação geral de exceção.

Raul fez uma observação que coincide com o posicionamento do Movimento por uma Tendência Marxista-Leninista do PT vem defendendo, ou seja, o paralelismo do Estatuto das Crianças e Adolescentes, o ECA, com o Código Penal de 1940, da ditadura do Estado Novo, segundo ele, só muda o nome. O ECA estabelece, disse Raul, uma relação do ato infracional com o crime. Por exemplo, a prisão é a internação na Fundação Casa. Como diz a TML, o ECA não é a oitava maravilha do mundo, embora na conjuntura atual deva ser defendido.

A partir dos anos 90 do Século passado, Raul observou que a legislação tornou-se mais rigorosa, sendo instituído o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), que impediu a progressão da pena, ou seja, a possibilidade do preso de passar do regime fechado, para o semi-aberto, por exemplo.

Esse regime rompeu com princípios do Direito Penal como da individualização da pena, o direito de progressão de regime, sendo que somente em 2007 o Supremo Tribunal Federal considerou inconstitucional, o Regime Disciplinar Diferenciado. Assim, este durou 17 anos.

O maior rigor do Direito Penal, com o encarceramento em massa da população nos anos 90 do Século passado foi uma política deliberada de Ronald Reagan e Margareth Thatcher, uma forma de gestão da pobreza, com a construção das prisões, em razão do desmonte da política social.

Todavia, o que não foi dito é que esse desmonte do Welfare State, do estado do bem estar social, deveu-se ao colapso à queda do Muro de Berlim e ao colapso da União Soviética (URSS), porque sem a concorrência dos Estados Operários, foi possível essa brutal ofensiva imperialista.

Atualmente, no Brasil, conforme Raul, cogita-se da figura do “juiz sem rosto”; privatização do sistema prisional; 20 Projetos de Emendas Constitucionais (PECs),; redução da maioridade penal de 18 para 16; aumentar o tempo de internação (eufemismo do ECA para prisão na Fundação Casa, isso em São Paulo, imagina nos outros Estados).

Raul, além disso, falou dos “autos de resistência”; “chuvas de chacinas”; população de rua, que teve até carroça apreendida pela Guarda Civil Metropolitana, fato que considerou inusitado, porque segundo ele, vigora no país o artigo 2º, inciso II, da Constituição Federal que dispõe no sentido de que “ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.”  Denunciou a forma como as pessoas da “Cracolândia” em São Paulo são tratadas: com o “gogo” (enforcamento, ou seja, têm o pescoço apertado pelo braço do agressor) e o “danoninho”, remédios, que são uma espécie de “sossega leão”. Contou um caso em que uma pessoa foi pisada na barriga até defecar e depois foi obrigada a comer as próprias fezes.

O que o Dr. Raul contou é inacreditável que aconteça na maior cidade do País, no principal Estado da Federação, na chamada locomotiva, na “Bélgica”, como se referem a essa parte rica de nosso Brasil.

O Dr. Raul defendeu a desmilitarização da Polícia Militar.

Concluindo, o Dr. Raul divulgou o Blog Vozes da Rua, que é um Coletivo que luta contra a violação dos direitos humanos.

Em seguida, houve a exposição do Dr. Rubens Adorno, que disse que o Sistema Único de Saúde é neo-liberal, o que consideramos exagero, pois o neo-liberalismo é contra o SUS, defendendo a mercantilização da medicina, a medicina privada, a privatização, os "planos de saúde".

Além disso, defendeu um trabalho com a Escola Básica, dizendo que o jovem da periferia, enfrenta o tráfico, o PCC, as igrejas evangélicas, sendo que têm que escapar dessas “instituições” para poder sobreviver.

Criticou o Centro de Atendimento Psico-social (CAPS), por entender que ele é uma agência de passagem, com profissionais precarizados, que há necessidade de equipá-lo, de investimentos.

Por outro lado, considerou que houve avanços significativos com as gestantes.

Com relação aos jovens, disse que na verdade eles são tratados pela polícia.

Criticou a bio-medicina, de certo modo demonstrando o conhecido corporativismo da categoria médica.

Disse que, no concernente ao usuário de droga, há necessidade de buscar uma política de diálogo e não de corrigir comportamento. Lógica de cuidados; cuidados pontuais.

Mencionou o sociólogo canadense Bruce Alexander, que contrapõe o conceito de excesso ao de dependência. Falou que o pessoal da “Cracolândia” é altamente “empreendedor” e “mobilizado.”

Comentou sobre o livro Crack in America, de Bruce Alexander, que denuncia que o crack foi instrumento do governo republicano para propiciar a guerra contra o Iraque, em razão da crise da indústria armamentista americana. O crack estava entrando na porta da Casa Branca, o que causou pânico moral.

No final abriu-se para os presentes formularem perguntas, sendo que o Dr. Raul Carvalho foi indagado, por João Neto, se a desmilitarização da Polícia Militar era insuficiente, senão seria o caso da dissolução da mesma; que não seria o caso de se lutar pela eleição dos membros do poder judiciário, os quais não se submetem ao sufrágio universal, não são controlados pelo povo; e sobre as medidas de segurança, verdadeira prisão perpétua, conforme a denúncia e luta do companheiro da Articulação de Esquerda, Dr. Paulo Cesar Sampaio;  respondeu que a questão da desmilitarização é mais abrangente, que precisa ser discutida; que não tem uma posição formada sobre a eleição dos membros do poder judiciário, embora nos Estados Unidos os magistrados, os juízes sejam eleitos; e disse que o Supremo Tribunal Federal limitou as medidas de segurança ao tempo da pena relativa ao crime equivalente.

Além do nosso companheiro João Neto, esteve presente à Palestra, a nossa camarada Dra. Simone Bazilevski, ex-dirigente do Sindicato dos Funcionários Publicos Municipais de São Bernardo Campo e ex-membro da executiva do Diretório Municipal do Partido dos Trabalhadores.

Erwin Wolf

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